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sábado, 31 de maio de 2008

Meu reino por um cavalo!

Ontem demos o presente de aniversário de Letícia: uma noite por Paris. Fomos ao teatro de Bouffes du Nord (foto acima) e, em seguida, jantamos em um restaurante indiano próximo ao teatro. A peça que vimos foi Ricardo III, de Shakespeare, com uma peculiaridade interessante: adaptada para o mundo árabe contemporâneo e falada em árabe! Com legendas em francês.

Infelizmente, não me lembro de ter lido alguma das peças históricas de Shakespeare. Apenas sei o lugar-comum, a frase dita pelo rei na penúltima cena: "Um cavalo, um cavalo! Meu reino por um cavalo!" Interessante pensar nesse tipo de adaptação, com a referência direta do mundo islâmico naquilo que se pretenderia uma tragédia. Ainda ontem lia alguma coisa a respeito disso, um autor dizendo que as tragédias não se desenvolveram no mundo islâmico porque este é, por excelência, o único monoteísta (e as tragédias pressupõem uma crença politeísta). Mas a adaptação se sustenta, com algumas liberdades próprias da cena moderna. O que ajuda, claro, são as referências de guerras atuais no oriente médio, o que justifica e evoca o sentido trágico moderno do qual a peça lança mão. Ou, como escreve o diretor da peça no programa: "Como nas tragédias de Shakespeare, o Oriente Médio moderno oferece uma variedade de exemplos de 'como não governar'. Imperialismo moderno, tirania, barbárie, opressão, complôs, assassinatos e guerras civis se tornaram tristemente mais regra do que exceção no Golfo."

Mas não apenas essa transferência de referências torna a peça interessante, mas a mise-en-scène num todo: um jogo de teatro, TV e música árabe. Além disso, projeções em uma parede de vidro, que vinham tanto da parte de trás do palco quanto da frente, davam uma dinâmica à peça. A projeção que vinha da parte de trás ora evocava um coro, ora mostrava "os bastidores" da trama, que tinham necessariamente de ser suprimidos da cena principal. Por outro lado, ver e ler ao mesmo tempo cansa, especialmente quando não se reconhece uma única palavra do que está sendo dito no palco. O tempo todo tínhamos de ficar preocupados em acompanhar os passos das personagens com a legenda. Sem falar que algumas vezes eu me sentia em Lost in translation: uma enorme frase dita pelo ator e uma frasezinha bem pequenininha traduzida... Outra dificuldade foi o próprio vocabulário, com muitas palavras de que eu nunca tinha ouvido falar.

Observação importante: Bouffes du Nord é um teatro atualmente dirigido por Micheline Rozan e, nada mais nada menos, Peter Brook. Este é o diretor mais conhecido atualmente. Até abril estava em cartaz uma peça dirigida por ele, Fragments, mas sequer fiquei sabendo disso. No início, até descobrirmos os lugares, é isso mesmo.

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